quinta-feira, 11 de março de 2010

Dr Casa

Tive, faz já algum tempo, um professor no sentindo mestre da palavra. Era um cara fantástico que me apresentava a discussões que eu quase nunca conseguia acompanhar, de tão complexas, inteligentes, interessantes e vários adjetivos elogiosos.

Um dos debates era a respeito da necessidade que a ciência tem de ter seus nichos para poder florescer. Quando ele começou o debate, previ que falaria da física, química ou biologia, das hard sciences. Mas não, ele começou a falar da medicina.

Antigamente, embora houvesse universidades e tal, não havia hospitais na acepção contemporânea do termo. Os enfermos ficavam em suas casas e os médicos era chamados para o atendimento em domicílio. Uma vez na casa do paciente, ele tinha de compartilhar sua opinião com a da tia curandeira, da vó sábia, do pai com sua autoridade moral que por vezes transbordava para outras áreas, etc.

O resultado: a opinião do médico era mais uma dentre várias outras opiniões. Não havia a autoridade como há hoje, de o médico ser quase um semi-deus que traz luz à escuridão da dor e da doença. E como isso mudou?

Hospitais. Uma vez que o doente sai de sua casa e vai para outro local, a autoridade é transferida durante o trajeto. E termina no médico. No hospital, quem sabe e quem manda é o médico. Pai, mãe, avó, tia, são todos leigos e a opinião deles se confunde, mas nunca com a da autoridade estabelecida.

Obviamente, a ciência da medicina se catapultou a outros patamares com a criação dos hospitais. Os doentes estavam agora reunidos. Sintomas similares podiam ser agrupados e as doenças passavam a ser observadas diuturnamente. Pacientes e estudos de caso passaram a se confundir, médicos podiam estudar a evolução dos sintomas e, após o falecimento, estudar os cadáveres. Definitivamente, todos se beneficiaram. A medicina, os paciente e, especialmente, os médicos, com toda autoridade que lhes era agora devida.

Atualmente, a instituição do "doutor" com sua sapiência já está estabelecida e consolidada (embora a internet tenha hoje o papel da mãe, da vó, da tia, do pai de antigamente... mas isso é tema para outro possível post). A autoridade do médico se estende para suas clínicas particulares e lá, sua palavra é quase lei. E como o ser humano por dentro do médico reage a isso?

Mal. Enquanto o médico antigo era obrigado a ver o paciente como um ser humano, por estar na arena do "adversário", ou seja, na casa dele. Muitos médicos hoje se comportam como o Dr House, divertidíssimo para o sadismo nosso de cada dia, mas que - quando levado ao caso concreto, pessoal - deixa de ser bacana. Muitos dos médicos parecem se esquecer de que seus pacientes são seres humanos que sentem medos, inseguranças e desesperos.

E foi uma dessas médicas, que vêem seriados demais, que atendeu a Dona Encrenca. Ela fora a uma dermatologista a fim de entender uma crescente queda de cabelos. E a Dona foi informada de que poderia ser alopecia, ou seja, calvice feminina. Já bateu o desespero... Alguns dias depois, após o fim da novela, quando aparecem os depoimentos, surge uma senhora e fala que teve alopecia, ficou completamente careca e como foi dolorido. Resultado: A Dona Patroa péssima, auto-estima boiando junto às placas tectônicas.

Alguns dias depois, a Dona Patroa vai a outro médico, que viu os exames e, principalmente, enxergou o ser humano detrás daquela formosura toda. Atendeu-a, tranquilizou-a, agiu como profissional adulto, que se preocupa com o paciente, e não com a doença. E por isso, ele já virou o médico de confiança dela, e o meu.

Dr House é entretenimento viciante, mas a sua versão de carne e osso não rende mais que um episódio piloto.

PS: Era só stress. Relaxa, nanica!




Um comentário:

  1. Ow, que texto massa!

    Só para contribuir com o aspecto histórico-informativo do texto, acho que vale contribuir com uma informação: eu não sou nenhum especialista em história da medicina, mas me parece que os hospitais começaram a surgir na Idade Média, na forma de "proto-hospitais": os hospícios (albergues)e enfermarias dos antigos monastérios tratavam dos desassistidos gratuitamente. Na Era histórica seguinte, a Moderna, foi quando a ciência deu um grande salto e os hospitais começaram a se desligar lentamente da Igreja, por meio das Santas Casas de Misericórdia e, quem sabe, atrair mais a classe dos profissionais de saúde. No mais, é isso.

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